BRASÍLIA e RIO — A decisão da Companhia
Enérgica de São Paulo (Cesp) de reduzir a vazão do Rio Jaguari
compromete o abastecimento de água de 41 municípios, 15 em São Paulo e
26 no Rio, incluindo a capital, segundo estudos da Agência Nacional de
Águas (ANA). Já o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou,
em nota, para o “colapso no abastecimento de água” de todas as cidades
ao longo do Rio Paraíba do Sul nos Estados do Rio de Janeiro e São
Paulo. O órgão apontou ainda outras duas consequências da retenção de
água pela Cesp: o esvaziamento dos reservatórios das usinas de
Paraibuna, Santa Branca e Funil, e a a redução de cerca de 130 megawatts
médios (MW) de geração de energia nessas usinas.
Diante
do risco de desabastecimento, autoridades federais estão pressionando o
governo de São Paulo a reverter rapidamente o controle da vazão do
Jaguari, afluente do Rio Paraíba do Sul. O diretor-presidente da ANA,
Vicente Andreu, disse ao GLOBO que a previsão legal de priorizar o
abastecimento humano (alegação da Cesp para reter a vazão do rio) tem de
ser aplicada a um caso concreto, o que não ocorre no caso de Santa
Izabel, única cidade paulista que usa a água do Rio Jaguari para
consumo.
— Em situação de desabastecimento grave, o DAEE
(Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo) poderia emitir
uma declaração de situação de urgência. Sem isso, não se pode declarar
uma medida emergencial. Não se pode adotar uma medida preventiva dessa
maneira desproporcional. Pode ser boa a intenção, mas colocada de
maneira equivocada. Justificar a ação com o sistema de interligação
futuro (à bacia de Cantareira) é insuficiente — disse Andreu.
Em
nota, a ANA afirmou não ter recebido “nenhuma justificativa dos órgãos
gestores estaduais de São Paulo para alterar a operação do reservatório
Jaguari”. Andreu informou que o ONS (que divide com a ANA a operação dos
reservatórios) enviou ontem requerimento aos órgãos do governo paulista
para que justifiquem a decisão de reduzir a vazão do Jaguari. O prazo
para a resposta é sexta-feira, a partir de quando a ANA poderá tomar
medidas concretas.
CESP PODE SER MULTADA EM 2% DA RECEITA
Já
a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) — que na sexta-feira fez
uma primeira notificação à Cesp, pedindo explicações sobre o
descumprimento da recomendação de aumentar a vazão do Jaguari, conforme
antecipou O GLOBO — notificará hoje a companhia paulista para que atenda
à recomendação do ONS. Se em 15 dias a Cesp não fizer isso, pode
receber multa de até 2% do faturamento.
Em nota, a Aneel
informou que que está está apurando os fatos relacionados ao não
cumprimento das determinações do ONS pela Cesp, destacando que cabe à
ANA definir e fiscalizar as condições de operação dos reservatórios.
Segundo
fontes do setor, a direção do ONS teme ainda que a decisão da Cesp abra
um grave precedente: outras geradoras poderão não querer cumprir também
as determinações do órgão quanto ao aumento ou redução da geração de
energia.
Desde março, quando São Paulo propôs a
interligação do rio Jaguari com o sistema Cantareira, que abastece a
região metropolitana, governo federal e ANA resolveram mediar um grupo
de discussões técnicas sobre o Paraíba do Sul entre os governos de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, Nesse debate, São Paulo indicara a
possibilidade de construir dois novos reservatórios no Paraíba do Sul,
para regularizar a oferta de água ao Rio, que aceitara fazer adequações
no Guandu. A próxima reunião técnica ocorre hoje, em Brasília, mas o
governo agora considera que São Paulo rompeu as negociações.
—
Há uma mesa de diálogo constituída, mas o governador de São Paulo não
procurou ninguém antes de reduzir a vazão — disse uma fonte do governo
federal que participa dessas discussões.
Para a
engenheira ambiental e ex-presidente do Instituto Estadual do Ambiente
(Inea) do Estado do Rio Marilene Ramos, a atitude da Cesp é política. A
companhia, segundo ela, teria como objetivo de pressionar as autoridades
como ANA e Aneel a tratarem dos problemas de São Paulo.
—
Uma decisão como essa, em que os municípios não tiveram tempo de se
preparar, pode impactar fortemente municípios como Barra Mansa e Volta
Redonda — disse Marilene, coordenadora adjunta do Centro de Regulação e
Infraestrutura da FGV.
Ela lembrou ainda que a Light pode
ter de reduzir sua geração, o que diminuiria o volume de água do
Guandu, que atende a mais de 85% da Região Metropolitana do Rio:
—
A Cesp não poderia tomar essa decisão unilateralmente. Mas entendo que a
ANA não está dando respostas em tempo hábil para resolver a situação de
São Paulo. Talvez por isso o governo paulista tenha tomado essa
decisão.
O governo federal prevê a possibilidade de uma frente fria chegar à região do Vale do Paraíba ainda esta semana.